No ambiente rural, os crimes de escravidão, exploração e precarização do trabalho são casos típicos e raramente debatidos pela sociedade brasileira, oprimindo os pobres e desfavorecidos trabalhadores. No livro “O Jagunço”, lançamento do autor Sávio Batista, a abordagem e reflexão neste problema social é inspirada em fatos e transformada em ficção, manifestada pelo sentimento de injustiça e revolta do autor perante o esquema criminoso e banalizado.
Sávio Batista concedeu uma entrevista exclusiva relatando sobre a criação da trama, as desigualdades sociais, leis brasileiras e as inspirações e objetivos de “O Jagunço” para a literatura nacional.
O livro está disponível na Amazon.com em formato físico e digital.
O recente lançamento do livro “O Jagunço” é uma história inspirada em fatos reais. Como a ideia surgiu e quais as inspirações?
Primeiramente acho importante ressaltar que “O Jagunço” é uma obra ficcional. Por mais que pareçam realistas, os personagens, locais, diálogos e situações são provindos de minha criatividade. Já o esquema criminoso, que serviu de plano de fundo para a história, foi inspirado em relatos reais de vítimas, ou melhor, sobreviventes da escravidão contemporânea. A ideia de escrever um livro com tal tema veio a partir de uma vontade de fazer o certo, de ter um meio de conscientizar quem ainda não conhece esse tipo de crime. A minha inspiração não foi nada além de um sentimento de revolta que se gerou ao acompanhar os casos de trabalhadores pobres e vulneráveis que são explorados por criminosos ricos e poderosos.
O principal objetivo do livro está na denúncia do crime de trabalho análogo à escravidão e conscientizar a sociedade através da literatura ou existem outros fatores?
Acredito que quem lê o livro termina entendendo bem a problemática e sabendo como denunciar tal crime. A beleza da literatura é justamente conscientizar durante o prazer de ler. Além disso, a obra tem como objetivo chamar atenção para uma série de questões importantes principalmente para quem as sofre. Desde a brutal exploração do trabalhador rural aos problemas da falta de acesso à terra, à moradia e à precarização do trabalho. Ao longo de todo o texto eu trabalho assuntos de interesse da classe trabalhadora.
No livro, o autor aponta quais são os principais responsáveis pela exploração rural continuar ocorrendo no Brasil?
Sim. Abordo ao longo do texto a falta de medidas eficazes contra o crime e seus criminosos. Além de autores diretos, também temos causas indiretas como a desigualdade social e a desregulamentação do trabalho. Afrouxar leis trabalhistas e a falta de fiscalização dos empregadores é imprescindível para que crimes como a escravidão contemporânea continuem ocorrendo e aumentando em solo brasileiro. Também temos uma política da “casa grande” onde deputados e senadores moldam as leis para proteger criminosos que doam para suas campanhas.
Quais são os gêneros utilizados na obra para dialogar sobre o tema?
Considero meu gênero literário como “escrita popular”. Tento escrever de uma forma que fique acessível para qualquer pessoa que não tenha o hábito de leitura, mas também que continue interessante para leitores mais maduros. Para contar a história eu utilizo recursos de suspense e drama, conto com uma escrita que deixa um gostinho de “quero mais” a cada página enquanto as situações, mesmo que revoltantes, prendem o leitor até o final.
Por quais motivos as pessoas deveriam ler “O Jagunço”?
O Jagunço é o tipo de livro que faz ferver o sangue de qualquer trabalhador. Todos que estão na luta dia sim e dia também, entendem a necessidade de receber o devido respeito em seu local de trabalho. Ler este livro é, além de um entretenimento, um ato político. As situações retratam nossas dores e algozes de forma que capacita qualquer um a se conscientizar e reconhecer a exploração que sofre. Para qualquer pessoa que se interessa pelo tema da escravidão contemporânea, acredito que O Jagunço é uma ótima introdução.
Sávio, você considera as leis brasileiras muito brandas para este crime?
É revoltante saber que alguém pode ficar mais tempo preso no Brasil por roubar um celular do que por escravizar um trabalhador. No quesito de punição, temos três vias. Sendo a primeira pífia: 2 a 8 anos de cadeia (o que nunca ocorre com os bandidos). A segunda medida prevista em lei é sim algo que poderia se aproximar de uma reparação: expropriação da terra sem qualquer indenização. Embora esta segunda seja eficiente, geralmente passa décadas em trâmites legais e raramente chega a ser concluída. E por fim, temos a “lista suja” do trabalho escravo que acerta os criminosos onde mais o incomodam: no bolso. A lista suja nega crédito e abala a imagem do fazendeiro no mercado nacional e internacional. Mesmo que as três medidas em conjunto não sejam tão brandas, o judiciário brasileiro o é. Raramente neste país os ricos e poderosos são devidamente punidos por seus crimes e isso se estende para qualquer tipo de delito.
Suas obras anteriores e próximos lançamentos abordam o discurso de críticas sociais?
Entendo que a escrita é, além de um ato de resistência, um sentimento de revolta. Ao longo da minha vida, ao perceber e viver na pele as contradições do capitalismo, encontrei na escrita a forma de lidar com essa realidade tão desigual. Pretendo, sempre que continuar escrevendo, abordar os temas sociais que mais me incomodam. Por mais que os temas e gêneros sejam variados em minhas obras, o plano de fundo é sempre o mesmo: manda quem pode, obedece quem ainda não pode se revoltar.
A escravidão ainda existe por fruto da desigualdade social do país. Qual a sua opinião sobre o que deve ser feito para a transformação desta realidade discriminatória e opressora?
Darcy Ribeiro disse que “não há lugar melhor no mundo para se fazer um país que não o Brasil, mas tem uma classe dominante ruim, ranzinza, azeda, medíocre, cobiçosa… que não deixa o país ir para frente!”. Pouco há de mudar caso o poder desses criminosos na política e no judiciário não seja limitado. Caso as sentenças fossem realmente cumpridas, principalmente a expropriação da terra para a reforma agrária, já seria de um ganho imenso. As vítimas devem ser amparadas e, para evitar novos casos, não há outro caminho além de investir na educação gratuita e de qualidade, além do acesso ao trabalho digno para as pessoas mais marginalizadas do interior do Brasil. O dinheiro tem que parar de jorrar somente para cima e começar a circular para o bem de quem tudo produz.

Futuramente, o autor possui esperanças de vivermos em um país livre da escravidão?
Até 2018, Minas Gerais era o 4º na lista de estados com mais casos de escravidão contemporânea, atualmente em 2025 é o 1º. Considerando o contexto histórico em que vivemos, fica difícil ser otimista. Políticas neoliberais de sucateamento de órgãos fiscalizadores, direitos trabalhistas sendo riscados da lei e privatizações ocorrendo de forma cada vez mais criminosa deixam um sentimento ruim no peito de qualquer um que tenha o mínimo de bom senso. O crime da escravidão contemporânea é ao mesmo tempo lucrativo e possui baixo risco para o bandido, então não é de assustar que o número de casos continue aumentando. A menos que tenhamos uma grande mobilização popular para pressionar o Congresso e o Senado a, ao menos uma vez na vida, deixarem de lado quem financia suas campanhas e ficarem ao lado do povo, há pouca esperança.
